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Especialistas alertam: cidades do Brasil podem perder o transporte coletivo

O avanço acelerado do uso de motocicletas no Brasil, impulsionado por fatores como baixo custo e aplicativos de transporte, tem causado aumento expressivo nas mortes no trânsito e ameaça a sobrevivência do transporte coletivo por ônibus. Segundo especialistas, essa migração corrói a base do sistema, compromete a mobilidade urbana e amplia a exclusão social, sobretudo de quem depende do transporte público para acessar serviços essenciais como saúde, educação e trabalho.

Você já reparou como, de uns anos para cá, as motos tomaram conta das ruas das cidades brasileiras? E não é para menos. Além do incentivo ao deslocamento individual, chegaram os aplicativos de transporte remunerado de passageiros sobre duas rodas. Essa tendência, à primeira vista, pode parecer prática e moderna, mas tem um preço alto: mais mortes no trânsito e um risco enorme de as cidades perderem de vez o transporte coletivo por ônibus.

Esse é o cenário mostrado pela Vital Strategies em um estudo da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global, apresentado a diferentes setores ligados ao transporte. O alerta é tão sério, que os especialistas chegam a comparar o impacto social do crescimento das motos a um dos períodos mais críticos da nossa história, especialmente quando o assunto é mobilidade urbana, saúde pública e segurança no trânsito.

“Corremos o risco de perder sistemas de transporte público por ônibus”, adverte o pesquisador Dante Rosado, gerente sênior da organização, em matéria publicada em 7 de setembro, no portal Jornal do Comércio (JC) de Pernambuco, destacando que cidades médias, de até 250 mil habitantes, já não possuem mais sistemas de transporte e dependem exclusivamente de motos. “Isso limita o acesso de grande parte da população a serviços essenciais como saúde e educação”, acrescenta.

O “segundo boom” da motocicleta

De acordo com o estudo, entre 1998 e 2024, a frota de motocicletas cresceu 12 vezes, enquanto a frota total de veículos aumentou cinco vezes no mesmo período. Ou seja, as motos estão se multiplicando muito mais rápido, ao ponto de especialistas afirmarem que o Brasil vive o “segundo boom” da motocicleta.

E esse crescimento desenfreado se deve, sobretudo, ao fato de que as motos são mais baratas, têm baixo custo de manutenção e permitem agilidade nos deslocamentos. Só que é um avanço que reflete diretamente na segurança viária.

Somente em 2024, ao mesmo tempo em que a produção de motos atingiu o maior nível desde 2012, foram registradas 34.881 mortes no trânsito brasileiro, isto é, mais de 95 por dia. Já entre 2020 e 2023, as mortes de motociclistas subiram 13,8%, quase o dobro do crescimento do total de óbitos no trânsito, que foi de 7%. E em quatro estados brasileiros (Santa Catarina, São Paulo, Tocantins e Piauí), o número de mortes de ocupantes de motocicletas já supera o de homicídios por arma de fogo.

“É difícil encontrar na história do Brasil, fora a escravidão, um fenômeno social tão destrutivo quanto a motocicleta”, afirmou o pesquisador Eduardo Vasconcellos na análise realizada pela Vital Strategies/Iniciativa Bloomberg.

O avanço acelerado do uso de motocicletas no Brasil, impulsionado por fatores como baixo custo e aplicativos de transporte, tem causado aumento expressivo nas mortes no trânsito e ameaça a sobrevivência do transporte coletivo por ônibus. Segundo especialistas, essa migração corrói a base do sistema, compromete a mobilidade urbana e amplia a exclusão social, sobretudo de quem depende do transporte público para acessar serviços essenciais como saúde, educação e trabalho.

Mortes no trânsito já superam a de pedestres

A mudança no perfil das vítimas é igualmente alarmante: em 1998, os pedestres representavam cerca de 66% das mortes, enquanto que, em 2023, os motociclistas já respondiam por 46% do total. Não à toa, especialistas afirmam que quem utiliza a moto corre até 200 vezes mais risco de morrer do que quem se desloca de ônibus.

“Essa vulnerabilidade estaria ligada ao fato de que o corpo humano, por sua vez, só é projetado para suportar impactos de até 30 km/h, o que potencializa o perigo no caso do uso de motos. E que fatores de risco comportamentais, como excesso de velocidade, consumo de álcool e não uso do capacete, agravam o cenário”, destaca matéria sobre a pesquisa, publicada no último dia 7 de setembro, no portal Jornal do Comércio (JC) de Pernambuco.

E por que isso põe em risco os ônibus (e quem depende deles)?

Ao mesmo tempo em que provoca uma verdadeira epidemia de vítimas no trânsito, a migração acelerada para as motos corrói as bases do transporte público. Cada passageiro que abandona o ônibus enfraquece o sistema, que perde arrecadação, reduz a qualidade do serviço e afasta ainda mais usuários, alimentando um ciclo vicioso.

As consequências sociais são sérias: moradores das periferias, estudantes, trabalhadores e pessoas em situação de maior vulnerabilidade ficam cada vez mais distantes do acesso garantido a um transporte público seguro e acessível.

Não se trata de demonizar o uso da moto ou de negar sua importância em determinados contextos, mas de reconhecer que o crescimento indiscriminado desse modelo de transporte, sobretudo o remunerado por aplicativos, precisa de regulamentação e de políticas públicas claras. É urgente repensar o modelo de mobilidade urbana, priorizando a segurança das pessoas, o investimento em transporte coletivo de qualidade e a criação de cidades mais equilibradas e justas.

Se nada mudar, muitas cidades brasileiras caminham para perder de vez seus sistemas de transporte coletivo por ônibus. E, nesse cenário, quem mais sofrerá serão justamente aqueles que mais precisam dele no dia a dia.

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